domingo, 26 de dezembro de 2010

Poesia encomendada
                                               (de Ana para Ana)

Ela viu a minha porta entreaberta
e entrou sem pedir licença
Me ofereceu as suas palavras
Eu, lhe ofereci perguntas:
- Por que veio até mim?
Ela, me ofereceu respostas:
- Não sei. Um vazio me veio
e no momento você pode preenchê-lo.
A sua porta se fechou e eu entrei.
- Serei apenas o seu momento?




segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

 Curiosas coincidências


Havia alguma sensualidade nele. Não sei. Talvez a boca. Boca de quem acabara de escovar os dentes. Boca querendo outra. E não a minha. Ele nunca me notara. Eu, só o notara. Anotara também. Ele gostava de Beatles. Ele sempre passava por mim ouvindo tão alto e tão envolto consigo que parecia até que ele que compusera a música, ou a música fora feita baseada na sua vida ou ainda, pelo seu caminhar e pelo seu cantar, arriscaria dizer que ele achava que era o próprio John Lennon no clipe da música. E era sempre a mesma música quando passava por mim. "I want to hold your hand. I want to hold your hand". E eu realmente sentia uma vontade de segurar forte a sua mão e levá-lo dali. Mas nunca o fiz. Deveria ter feito. Por que sempre a mesma música quando passava por mim? indagava comigo. Era só coincidência, respondia para mim. Talvez ele escutasse só aquela música. Eu gostava de Beatles também. Gostava dessa música, mas não era a minha preferida. Mas se tornara. Agora, além do deleite de vê-lo, eu tinha o deleite de ficar mais perto dele sempre que ouvia nossa música. Sim. Nossa música! Nós tínhamos uma música.
Percebi então que ele sempre passava naquele lugar, na mesma hora. E eu também. Duas vezes por semana. Duas vezes por semana eu tinha o deleite de vê-lo. Por felicidade minha, à medida que fomos nos tornando íntimos, eu pude perceber que ele tinha algumas manias. Nas segundas, ele sempre usava uma camisa com listras horizontais e nas quartas, ele usava uma camisa também com listras, mas eram verticais. Qual seria a lógica disso? indagava comigo. Reparei também que ele gostava de levantar uma  das sobrancelhas. Não era sempre a mesma. Mas nunca era as duas. E não era tique. Era mania. Que rapaz charmoso! pensava comigo. Toda vez que eu o encontrava, ficava na expectativa da levantada de sobrancelha. E ao mesmo tempo ficava torcendo para que ele demorasse o tanto quanto fosse possível para eu saborear, por mais um segundo que fosse, a expectativa daquela levantada de sobrancelha singular. Como pode existir um rapaz tão bonito! Tão bonito e singular! Bonito de tão singular.
O lugar no qual ele passava às segundas e quartas era tão bonito e singular também! Uma calçada de lojas das mais variadas. Lembro - como se fosse hoje - da primeira vez que o vi passando por aquela calçada. Era uma segunda. E ele estava vestindo a sua camisa com listras horizontais. Passara por aquela vitrine de roupas de marca. Tantos modelos!Tão altivos e tão perfeitos! Eles eram assustadores. Pareciam de verdade. Mas não eram. Ele era. 
Tempos passaram e fizemos um ano. Eu queria presenteá-lo. Um dia tão bonito e tão singular - como ele - não podia ser apenas mais um dia. Tínhamos que comemorar. Quis fazer uma surpresa. Comprei duas camisas: uma com listras horizontais e outra com listras verticais. Uma para mim e outra para ele. Vesti a minha com listras horizontais, peguei a dele com listras verticais e fui encontrá-lo no lugar e na hora de sempre. Era segunda-feira. O dia estava estranho. O céu colorido de pó de lápis. Nada vai estragar o  nosso dia, pensava comigo. Enfim cheguei ao nosso lugar. Já estava na hora. A loja de roupas de marca estava fechando. Achei estranho, pois não estava na hora de fechar. Faltava meia hora. Talvez o dono quisesse fechar um pouco mais cedo, pensei comigo. Então fui ao "Penso, logo existo", pedi o café de sempre e sentei no banco da praça em frente à calçada. Em frente à loja de marcas, fechada. Esperei, esperei, esperei. Será que ele esqueceu? Não pode ser. Então, fui ao "Penso, logo existo", pedi outro café e voltei para o banco da praça em frente à calçada. Em frente à loja de marcas, fechada. Esperei, esperei, esperei. O café acabou e ele não veio. Fui embora. A caminho de casa, notei que estava sem o seu presente. Será que o deixei no nosso lugar? Mas já era tarde e começara a chover. Não tinha como voltar. Cheguei em casa molhado de chuva e lágrimas. Por que ele não foi? Será que eu lhe fiz alguma coisa? Indagava comigo. Voltei na quarta. No mesmo lugar e hora. Novamente ele não apareceu. Continuei indo todas as segundas e quartas no mesmo lugar e hora. Ele nunca mais voltou. Perguntei às pessoas que por ali transitavam naquele mesmo lugar e hora se elas tinham  visto o rapaz que passava por ali às segundas e quartas no mesmo lugar e hora. Algumas  se voltavam para mim - assustadas - e diziam que não. Outras perguntavam se ele era o meu irmão gêmeo. Eu, atônito com a pergunta, dizia que não. E então elas levantavam os olhos e as sobrancelhas. Não como ele. Elas levantavam as duas. E tinha também outras pessoas - minoria - que não me respondiam e sim me perguntavam se eu estava bem. Lógico que não, pensava comigo. Eu não o vi mais! Mas eu respondia que eu estava bem. Desde então eu continuo indo as segundas e quartas no mesmo lugar e hora. Ele, nunca mais voltou. Eu, me conformei. Ele não fez por mal. Talvez quisesse me poupar.
Desde então eu volto lá e recordo aqueles momentos tão singulares e bonitos - como ele - que passei junto a ele. Sinto saudades. É bom sentir saudades. A saudade me alimenta. Saudade do que aconteceu ou do que não aconteceu. Mas sempre saudade. (Sobre) vivo por isso.